Em 2022, o fenômeno ESG explodiu no Brasil e virou jargão em discursos de CEOs e propagandas de bancos, empresas de varejo e outras. A década de 20 do século XXI está sendo marcada por essa grande mudança no mundo dos negócios. O ‘capitalismo dos shareholders’ ou ‘capitalismo de acionistas’, que emergiu nos anos 80 e 90 está dando lugar ao chamado ‘capitalismo de stakeholders’ (capitalismo consciente em português). O termo foi cunhado por Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial de Davos.
A tendência, que já vem de anos, revela que empresas multinacionais têm sido pressionadas por compromissos globais e pressão dos consumidores e, assim, tiveram que se posicionar no tema das mudanças climáticas. Apesar de nobre, a iniciativa ESG é polêmica e acumula tantos apoiadores quanto detratores que advogam pela tese que se trata apenas de estratégia de marketing verde. Vamos analisar nesse artigo como o ESG tomou forma no mundo dos negócios e os principais riscos e benefícios associados a essa prática cada vez mais comum.
Trajetória
O Pacto Global da ONU é a maior plataforma de fomento do desenvolvimento sustentável entre organizações privadas no mundo com 19.000 signatários em 70 países. O pacto, lançado em 2000, é uma iniciativa de adesão voluntária para corporações que buscam seguir a agenda 2030, pautada pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Nesses 23 anos, o mundo corporativo vem moldando práticas e departamentos internos que possam endereçar os ODS dentro de suas estratégias de negócio. A primeira sigla que ficou conhecida e designou esta prática foi o CSR (responsabilidade social empresarial em português), que focava mais no tema social e disponibilizava recursos para iniciativas quase sempre isoladas e distantes da estratégia central do negócio.
A partir do final da década de 2010, com o aumento da visibilidade e conscientização sobre a emergência climática, surgiu o termo ESG, em inglês Environment (meio ambiente), Social (social) e Governance (governança). A prática ESG foi lançada pelas matrizes principalmente de empresas multinacionais europeias e norte-americanas.
A prática do ESG tem sido aplicada pelas empresas com foco maior no E de ambiental e ações de mitigação e compensação de emissões de carbono. O tema social se refere ao engajamento da empresa com todas as partes interessadas e afetadas por seus negócios como funcionários, comunidades, fornecedores, governos e outros. Já o G de governança foca nos mecanismos internos de controle que gerem conformidade e transparência nas operações, visando inibir fraudes e corrupção.
Diferentemente do CSR, a prática ESG costuma ter investimentos mais robustos e visibilidade estratégica dentro das empresas. Contudo, o maior gargalo tem sido a efetividade das ações e muitas empresas têm falhado ao divulgar ações ESG com pouco ou nenhum impacto socioambiental positivo. Com grande frequência, essas divulgações têm acontecido por meio de comunicados vagos, com resultados não comprováveis.
Ônus x bônus
Os ônus da prática ESG são muitos. O primeiro e mais óbvio é o reputacional, os consumidores, sobretudo da geração millennial e Z, têm elevado cada vez mais suas exigências e padrões de consumo. Demandas que hoje são normais, eram impensáveis há 10 ou 20 anos. Produtos com componentes naturais e menor pegada de carbono, abolição de testes em animais, redução do uso de plástico, cadeias de valor de comércio justo, empresas com programas de inclusão que empregam e têm mais mulheres, homossexuais, pessoas pretas, idosos e deficientes em posições de liderança se tornam marcas mais admiradas e sólidas no mercado.
Além dos enormes ganhos reputacionais, as empresas que têm altos padrões de ética e responsabilidade socioambiental têm acesso a índices mais rentáveis em bolsas de valores. Elas são consideradas investimentos mais seguros e menos expostos a crises e fraudes. Um exemplo é o índice ‘Teva Mulheres na Liderança’ (ELAS11), que reúne ações de companhias com políticas de igualdade de gênero e maior participação de mulheres na liderança. Desde seu lançamento em março de 2022, o ELAS11 valorizou 2,04% enquanto o Ibovespa teve queda de -1,66%.
A atração de talentos também é maior pelas empresas mais atuantes na sustentabilidade. Um estudo da consultoria EY, desenvolvido nos EUA em 2017, identificou que apenas 26% das pessoas da geração Z, os que nasceram a partir de 1995, consideram que um emprego em uma empresa de petróleo e gás pode ser uma boa opção de carreira.
Embora ESG possa trazer muitas vantagens, as polêmicas em torno da sigla têm aumentado rapidamente. Muitos criticam que o termo se tornou sinônimo de “greenwashing”, o que por aqui também é conhecido por lavagem verde ou mentira verde, quando uma empresa divulga resultados ESG de forma vaga e na realidade não causa nenhum ou pouco impacto positivo. Algumas empresas têm perdido valor em suas operações e, sobretudo, capital reputacional envolvendo os pilares ESG. Além de greenwashing, algumas fraudes ESG já se tornaram grandes escândalos e geraram penalizações para grandes empresas.
Em 2022, o banco Goldman Sachs foi multado pela SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, por falta de critérios de avaliação claros e divulgação de dados ESG falsos em um de seus produtos. O próprio escândalo das lojas Americanas pode ser considerado uma grande falha ESG, uma vez que a governança da empresa falhou na atuação ética e transparente ao divulgar resultados financeiros fraudulentos que agora impactam uma enorme cadeia de centenas de milhares de stakeholders como acionistas, funcionários, fornecedores e clientes. Certamente, levará um tempo para que a empresa volte a ter um nome forte no mercado perante clientes e acionistas.
Outros escândalos têm sido divulgados, mais comumente na Europa e EUA, onde mecanismos de avaliação e monitoramento operam com mais efetividade por pressão dos consumidores, que cobram comércio justo e menos impacto ambiental há mais tempo. A própria União Europeia montou um grupo de trabalho que analisou o website de 400 empresas buscando identificar práticas de greenwashing e aumentar a transparência e segurança para os consumidores do bloco.
Desafios e Perspectivas
O desafio ESG é global e, neste momento, o maior deles é a normatização e criação de indicadores transversais e métricas que se apliquem de forma clara e efetiva e sejam monitorados e fiscalizados por terceiros. A maior parte das empresas multinacionais e setores econômicos já possuem ou estão desenvolvendo seus indicadores ESG, mas como visto as falhas têm acontecido, sobretudo no monitoramento e avaliação das práticas. Algumas iniciativas estão surgindo para buscar sanar esses desafios e trazer transparência aos consumidores que buscam consumir produtos de empresas comprometidas com a ética e a justiça social e climática.
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou sua resolução 59 que contém diretrizes ESG para empresas financeiras e passa a valer a partir de 2023. A bolsa de valores B3 também possui o índice de sustentabilidade (ISE) para qualificar empresas que queiram participar de fundos exclusivos para membros com ‘selo verde’. Embora as iniciativas sejam bem intencionadas, faltam indicadores e avaliações mais abrangentes e rigorosos, haja vista que a própria Americanas era uma das melhores colocadas no quesito governança do ISE. A B3 comunicou nos últimos dias que excluiu a empresa do índice.
Outra iniciativa de normatização da prática ESG está a caminho. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) está na fase final de elaboração da Prática Recomendada 30 (PR 30), que visa fornecer critérios e indicadores abrangentes dentro dos 3 pilares do ESG. A iniciativa é pioneira e está sendo liderada por Brasil, Canadá e Reino Unido. Nos próximos anos, a ISO (Organização Internacional de Normatização) deve usar a PR 30 como referência e replicá-la em outros países associados à organização.
Algumas empresas já se adiantaram e evitam o risco greenwashing obtendo o certificado de empresa B. O sistema B, que reúne organizações cuja missão não se limita a gerar lucro, mas também realizar investimentos socioambientais de alto impacto em comunidades e conservação dos recursos naturais, é uma resposta à mudança de valores entre os consumidores. Grandes players já fazem parte do seleto grupo das ‘B Corps’ como Natura, Danone, Ben&Jerry’s e a chinesa First Respond.
Muitos ainda se questionam se ESG é só uma tendência passageira ou se veio pra ficar. Acreditamos que, mesmo que o nome da sigla possa mudar de tempos em tempos, essa é uma tendência irreversível, pois responde a um processo de conscientização e mudança de postura, valores e exigências dos consumidores. Apostamos que novos tempos chegaram ao mundo corporativo com seus riscos e benefícios e, portanto, é melhor se preparar para surfar a onda ESG e evitar o risco de afundar na arrebentação.
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